domingo, 9 de agosto de 2009

Sintese do projeto

O Estado brasileiro pode ser entendido sob dois aspectos que caracterizam a atuação de seus governos na defesa de direitos humanos e segurança pública. Compreende-se que de um lado trata-se de um Estado Nacional (“Democrático de Direito”) extremamente habituado a julgar, condenar e punir uma ampla parcela de seus cidadãos, sobretudo a maioria pobre e negra. Basta dar uma breve passada pelas estatísticas de detenções verificadas no país. Trata-se de um Estado Penal célere para praticar prisões preventivas e manter presas e sem julgamento pessoas que, na maior parte das vezes, cometeram pequenos delitos contra o patrimônio. Por outro lado, esse mesmo Estado punitivo aplica para esses crimes e para praticantes do pequeno comércio de drogas ilegais - denominado “crime hediondo”- penas colossais. E ainda, depois da prisão, é esse mesmo Estado Penal que não aplica a Lei de Execuções Penais nem garante condições humanas mínimas para o cumprimento de pena.

O Estado brasileiro tem sob a sua guarda penal uma população de quase meio milhão de pessoas distribuídas em cerca de 1.500 instituições carcerárias no país. Cerca de 40% cumprem pena sem serem julgados e em unidades policiais; e o total de 60% cumprem pena sem que se tenha transitado em julgado a condenação criminal. Como resultado de um processo sempre crescente de encarceramento, a população encarcerada cresce proporcionalmente em ritmo mais veloz do que a população livre. Em alguns estados brasileiros cerca de 50% destes já poderiam ter o seu livramento condicional se o prazos legais fossem cumpridos (MIR, 2004). Ao pensar sobre as características da população carcerária verifica-se que 95% dos presos são homens, cerca de 85% das presas são mães, mais de 50% são negros, mais de 90% são originários de famílias que estão abaixo da linha da pobreza, mais de 80% dos crimes punidos com pena de prisão são contra o patrimônio, mais de 90% tem menos do que os oito anos de ensino constitucionalmente garantidos, menos de 3% cumpre penas alternativas, mais de 80% não possui advogados particulares para a sua defesa, mais de 90% são condenados a cumprir a pena de prisão em regime fechado, mais de 70% dos que saem da prisão retornam para ela e menos de 10% dos que cumprem pena em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)ou outras medidas mais rígidas de segurança se adéquam ao perfil estabelecido para tanto(MIR, 2004). [1]

De outro lado, esse Estado também tem o seu lado genocida. Conforme relatório preliminar de Philip Alston, relator da ONU para execuções sumárias e extra-judiciais apresentado àquela organização em maio do presente ano, no Brasil os policiais matam em serviço e fora de serviço. Porém, nenhuma investigação é feita a respeito, já que tudo se justifica a partir dos autos de resistência, isto é, suposta morte em confronto. Todos os casos são classificados como situação de “Resistência Seguida de Morte” e a investigação se concentra no histórico de vida do morto. Neste país, as polícias cristalizaram em sua atuação uma cultura que orienta e prepara seus agentes para matar aqueles que supostamente representam uma ameaça a ordem sócio-racial.

Ao mesmo tempo, percebemos que no âmbito do funcionamento deste Estado, em todas as suas instâncias (legislativa, judiciária e executiva; nas esferas municipais, estaduais e nacional; forças armadas, polícias, etc.,) raramente é questionada e muito menos são julgados atos genocidas. Diante da necessidade de legitimar o PRONASCI –Plano Nacional de Segurança com Cidadania – é que forças de governo , contando com o apoio de alguns segmentos sociais, estão empreendendo a I CONSEG – Primeira Conferência Nacional de Segurança Pública. Um processo de formulação de política criminal travestida de “segurança pública” que pode ter a consolidação do modelo estadunidense de manutenção da ordem sócio-racial e privatização do ies puniendi estatal como ápice.

A idéia de realizar um encontro popular que analise profundamente o modelo de segurança vigente e apresente alternativas não punitivas e penalistas significa inverter radicalmente esta lógica. Esta que se não tomarmos cuidado será naturalizada como “lógica democrática”. Por isso, propomos um encontro de caráter crítico e formativo que coloque o próprio Estado sob o olhar do povo que sofre as seqüelas de sua lógica genocida passados 20 anos desde a conquista da “Constituição Cidadã”. A subversão desta ordem através do exercício legal da cidadania e da organização de uma pauta mínima de garantia dos interesses de presas e presos e de familiares de vítimas do Estado poderá ser vislumbrada a partir da consecução das metas e objetivos engendrados em um processo nacional de articulação daqueles que são o alvo do genocídio brasileiro: um contraponto à política nacional de segurança apresentada institucionalmente através da CONSEG e do PRONASCI.
[1]MIR, Luis. Guerra Civil – Estado e trauma. São Paulo, Geração,2004. 962p.

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